quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Capítulo 4 – Olhar Humano (Alice’s POV)

(gente, primeira vez minha aqui. Deixando claro: a cada 3 capítulos, o POV [Point Of View/Vision, Ponto de Vista] muda. Eu sempre escreverei as POV's da Alice, e o Bravinn sempre as do Miguel. See Yah!)

Era inacreditável eu já estar bufando. Poderia dizer que estava correndo carregando uma bolsa de 5 quilos há umas 3 horas, mas minhas condições físicas já foram melhores. Miguel seguia um pouco atrás de mim com duas mochilas lotadas nas costas.

Era ótimo. Quanto mais suprimentos, menos vezes lá fora, mais tempo em um lugar seguro.

Fechei meus olhos enquanto respirava aos arquejos, e fora a pior idéia. As últimas imagens de uma vida perfeito (agora, vista de um ponto onde eu precisava correr a maior parte do meu dia para não virar comida) nessa mesma cidade. Meus amigos, minha família, tudo normal, mas agora, reconfortante. As imagens seguintes não eram nem um pouco agradáveis como as anteriores – os rastros de sangue, os gritos ensurdecedores, meu nome saindo de lábios desesperados. Precisei de pelo menos alguns bons segundos para me libertar das imagens que nunca saiam das minhas pálpebras, recompor minha expressão esperançosa e correr mais rápido dos animais que pareciam com os da minha mente.

Entramos em um beco e tive que me apoiar na parede para recuperar o fôlego.

- Quando diabos vamos ter paz? – disse Miguel, pegando golfadas de ar – e quando vamos poder parar de correr, aliás...

- “Paz” foi retirado do mundo nessa situação.

- Adoraria negar, mesmo sendo impossível.

Olhei para a parede ao meu lado e lá havia uma porta entreaberta, com uma placa velha cheia de dentadas escrita “Mansão da Sílvia”.

- Hey, achei um lugar bom para ficarmos! A primeira vez em semanas que dormiremos em um colchão, talvez – adentrei o local sem excitar, mas Miguel me puxou pelo braço.

- É bem capaz de estar infestado pelos parasitas – disse ele, olhando para dentro do lugar com a única luz vinda da porta – não é melhor eu ir na frente?

- Você diz como se eu não soubesse me cuidar! Estou sobrevivendo sozinha há mais tempo que você, garoto – era estúpido pensar que eu tinha que tomar cuidado – fui eu que te salvei naquele mercado, nunca se esqueça.

Na mesma hora, até mesmo na mesma fração de segundo, um dos filhos da mãe salta sobre mim, me derrubando. Arranhava minha pele com toda a força, compulsivamente, e gritava sem parar estourando meus tímpanos. O cheiro de carniça era forte demais, e os dentes a mostra faziam minha pele parecer mais frágil do que nunca. O hálito, tão perto de mim, e os olhos – não mais humano – de um vermelho jamais visto antes mostravam meu fim. Era ali que eu provavelmente morreria, uma das poucas sobreviventes, a garota de 16 anos, Alice Morelli...

Mas pera, cadê o Miguel?

- Desgraçado! – e o barulho metálico da estaca de ferro nas mãos dele bate de novo no crânio do verme em cima de mim – tire as mãos dela!

O ser que continuava a me arranhar passa uma rasteira em Miguel, parecendo um pouco tonto pelas batidas na cabeça com a estaca.

Ótimo. Chega a ser lindamente dramático.

As feridas doíam e a cada vez mais me sentia fraca. Miguel estava caído, inerte, com um ferimento na testa, enquanto eu lutava para me levantar e tirar aquele bicho de cima de mim.

Por um segundo, a fera olhou dentro de meus olhos e vi algo que nunca pensei ver – uma pontada de dor humana, dor por um desespero humano, uma familiaridade com alguma lembrança que tentava adentrar minha visão.

Miguel se recuperara e, ganhando consciência, pegou a estaca novamente e acertou a cabeça daquele quase humano pela lateral.

- Você está bem? – Miguel perguntou, colocando meu braço em seu pescoço e me ajudando a levantar – Eles te arranharam feio dessa vez. Agora, Sra. Sei Me Cuidar Melhor Que Você, fui eu que te salvei, nunca se esqueça disso – repetiu ele as palavras que eu, anteriormente citara.

Enquanto ele examinava os cortes em meus braços e meu rosto, aqueles olhos ainda estavam na minha mente. Depois lembrei o que eles me lembravam: os olhos de meu irmão mais velho.

- Ele era humano... AI! – os ferimentos ardiam enquanto ele examinava.

- Todos eram humanos antes de virarem predadores – murmurou ele.

- Ele parecia meu irmão.

Isso pareceu deixá-lo chocado, ou lhe dei uma chance de lembrar de algo.

- Eu... sinto muito, muito mesmo.

Eu ainda não sentia a necessidade de ficar triste por isso. Estranho. Vai ver era porque aquela coisa queria a minha vida para viver.

- Não sinta, sério. Agora, chega de piedade demodramática – me levantei, meio cambaleando.

- É, certeza – pegou minha bolsa e colocou em cima das outras duas em suas costas, enquanto saíamos daquele beco, torcendo para não termos que correr mais uma vez.

Parecia estar tudo calmo, o “normal” de antigamente, e silencioso...

Mas talvez silencioso demais.

Começamos uma pré-corrida para o caso da aparição dos vermes, tentando achar um lugar para ficar, até que vi uma grande casa familiar, com a velha pintura amarela desgastada suja com manchas de sangue. Minha antiga escola. Adentramos com muito cuidado, sem querer fazer barulho. Atualmente, tudo cheirava carniça e sangue, mas esse lugar parecia estar inabitado. Estávamos quebrados, a falta do colchão não ia mudar muita coisa em nossa situação.

Um pouco de paz de espírito, uma noite de sono, onde podíamos certamente por algumas horas nos desvencilhar daquele terrível mundo que vivíamos atualmente.

Isso podia ter acontecido, mas não.

Enquanto estávamos prestes a cair na inconsciência, deitados no duro piso de concreto, passos bruscos demais para serem humanos pareciam correr em nossa direção, farejando, gritando pela fome.

É, essa seria mais uma noite muito longa.

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