sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Capítulo 11 - Vermelho (Alice's POV)

Tudo era vermelho.
Ainda não tinha visto nada que parecesse me saciar, mas minha visão era detalhista. Como um grande telescópio, eu podia aumentar meu campo de visão infinitamente. E tudo tinha uma camada avermelhada, como usar lentes vermelhas.
Acho que o pior de tudo aquilo, tirando o frio, o cansaço de tanto correr – menor do que o cansaço quando humana – e o medo, eu estava faminta. Parecia que minha mente gritava por não encontrar nada para me alimentar.
E ainda sim só pensava em Miguel.
Queria saber como e onde ele estava, se corria dos vermes – de mim -, se estava bem, com fome ou cansado. O que pensava de mim, se pensava em mim.
Fiquei imaginando que talvez ele fosse o único humano sobrevivente, mas aquilo parecia fazer tudo pior.
Se eu tivesse tido mais cuidado... Eu poderia ainda estar com Miguel. Ajudá-lo, ter esperança. É, essa já estava perdida.
Continuei caminhando, com uma parte de mim procurando ele, e a outra, procurando comida.
Ou talvez essas duas partes fôssemos consideradas as mesmas?
Estremeci com a realidade.
Em todo o meu percurso, vários “zumbis” passavam por mim. Seus olhos não tinham mais a fome, a cor vermelha tão vivaz. Andavam rastejando-se, desesperados, secos. Uns pareciam secar ao sol no chão, deixando o corpo sem vida, a poeira. Aqueles seres pareciam morrer sem se alimentar. Só não sabia se ficava feliz ou triste, porque aquele era o meu próprio futuro.
Entrei em uma rua, aparentemente vazia, para descansar. Apoiei-me na parede para respirar, acalmar meus nervos. Olhei para meus braços e estavam todo descascados. A pele de baixo era morta. Meus lábios estavam em carne crua. Fios de cabelo desprendiam-se de meu coro cabeludo sem parar. A boca já não abrigava saliva, muito menos dentes – eram garras. A transformação me assustava muito.
De repente, já descansada, uma coisa eu não podia deixar de notar.
O silêncio.
Mesmo enquanto os parasitas estão a ponto de morrer, eles soltam ruídos, estremecem, gritando de repente. Ali, era só o vácuo da falta de barulhos.
Voltando pela rua onde estava, observei que nada ao meu redor parecia o mesmo – era apenas uma cidade abandonada. Não uma cidade abandonada e ao mesmo tempo cheia de predadores famintos.
O único barulho que quebrava a perfeição era a minha respiração agitada e o vento sutil.
E foi quando um deles caiu sobre meus pés, implorando por algo. Gritava, esperneava por sangue, por carne, por humanos. Se estão tão secos, tão sem vida, ninguém havia sobrevivido?
E se Miguel fora servido de alimento para um deles?
Lágrimas alojaram-se em meus olhos, mas não eram sais, era o sangue que ainda existia em meu ser. Um sangue não mais vermelho – um sangue negro. Gritei até minhas forças se acabarem. Não queria ter meu fim daquele jeito, ardendo sob o sol, enquanto virava pó, sem ter salvado meu melhor amigo. O deixado para trás. Aquilo me doía mais do que a fome.
Olhei para meus pés e onde abrigava um ser faminto só restava sua poeira e restos mortais.
Ouvi passos. Meus sentidos predadores alertaram-me antes do som chegar à consciência. Seguindo meus instintos, procurei a direção dos passos, com ele o leve sabor de sangue.
E a última coisa que senti foi uma dor metálica na cabeça e o céu estendendo-se claro aos meus olhos, enquanto caía lentamente no chão e desmaiava.